Memórias e histórias

Restaurante Mini Praia, eco de saudade através do tempo

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Antonio Costa, EXCLUSIVO ao Zakinews

Imagens do REstaurante Mini Praia na década de 60, construído nas proximidades da entrada da Sicmatur

   Por volta de 1967 o construtor de pontes, Natalino Castrillon, integrante de uma família de empreendedores que muito fez para ajudar no desenvolvimento de Cáceres, decidiu construir às margens da Baía do Malheiros na área central de Cáceres, um restaurante que levou o nome de Mini Praia numa alusão ao local onde o mesmo se achava localizado, na prainha do Daveron.

   O empreendimento desde a inauguração chamou atenção da clientela que passou habitualmente frequentar o agradável espaço em meio a exuberante natureza e a degustação de um cardápio constituído a base de peixes.

O idealizador Natalino Castrillon durante aproximadamente dois anos, obteve muito sucesso. Sua atividade profissional (construtor de pontes), o impediu de continuar com o restaurante, foi então que decidiu vender para o gaúcho Louristan Carlos Raymundi, por volta de 1970.

   Diariamente o Mini Praia era frequentado por autoridades locais a exemplo de advogados, militares do exército, juízes, gerentes de bancos, de casas de tecidos (A Revolução, Jaraguá, Pernambucanas e Riachuelo), e famílias da cidade. Se tornou logo no point de Cáceres.   Recém-chegado à Cáceres, “Lauristan” como passou a ser conhecido, contratou para ser o chef ou gerente geral Waldemar Araújo e a esposa Olga Pinho Araújo Costa, que já trabalhavam com Natalino Castrillon, ambos passaram a ser responsáveis pela cozinha. Cacerenses conhecedores profundos da culinária pantaneira, o casal deu ainda mais o impulso necessário para que o local passasse a ser uma referência na culinária com pratos de espécies pesqueiras deste lado do Pantanal e do Rio Paraguai, bastante solicitados.

Local recebia artistas e cantores famosos

   Foram diversas vezes que o local recebeu artistas famosos a exemplo de David Cardoso (nasceu em Maracajú-MS, conhecido como Rei da Pornochanchada, devido o fato de ter sido um ator popular nas comédias eróticas dos anos 70). Stepan Nercessian, Benito de Paula, Mato Grosso e Mathias, Milionário e José Rico. Eles vinham se apresentar na Exposição Agropecuária, e se dirigiam ao Mini Praia para almoçar/jantar.

   Por sugestão do então prefeito José Monteiro da Silva, médico, com argumentação de que o local onde o referido restaurante estava estabelecido, coincidia nas proximidades com o lançamento de dejetos oriundos do antigo Córrego do Sangradouro que começava a ser poluído, O Restaurante Mini Praia foi mudado para a margem oposta da baía, do outro lado.

Vista aérea da área da Sicmaturl visualiza a posição exata onde foi construído a primeira estrutura do restaurante Mini Praia


  
O proprietário Louristan contratou então Natalino Castrillon para executar o serviço. Totalmente desmontada a estrutura foi transferida para outro local mais seguro e distante da poluição visível que desembocava do sangradouro.

A magia da travessia em batelão…

   Instalado do outro lado da margem da Baía do Malheiros, os frequentadores para ter acesso ao restaurante, teriam, obrigatoriamente, que fazer o percurso em barco, canoa ou batelão. Algumas remadas do barqueiro Alexandre conduziam a clientela num curto mas marcante passeio inesquecível, principalmente se quem estava no barco curtia e experimentava o tranquilo balanço das águas pela primeira vez.

   Ouvido pela reportagem, um dos filhos, Carlos Alberto Raymundi (Carlinhos), que recebeu o nome do bisavô, recorda num misto de saudade dos tempos de infância. Diariamente ele estava em companhia dos pais e acompanhava atentamente o cotidiano de trabalho no local. Recorda que no período noturno os pescadores contratados chegavam trazendo quilos de pescado fresco que iriam virar o cardápio principal do restaurante no dia seguinte.

A movimentação da embarcação era constante para levar e trazer os fregueses do restaurante


   Waldemar providenciava a limpeza de vários pacus. Carlinhos garante que de seis a oito eram servidos diariamente durante as refeições. O hábito de limpar os peixes próximos da área do restaurante, se constituiu numa espécie de ceva no local, atraindo jacarés, jaús, etc. “As espécies viraram atrações e os visitantes se divertiam em sessões de fotos, os de fora, ficavam impressionados com o tamanho dos jacarés”.

   Além de gerenciar o local, Waldemar Araújo gostava de cantar e tocar violão. Era, segundo a filha Vânia, “uma atração à parte”.

   Vânia traz na lembrança o ano de 1968, ela então com dezoito anos, foi almoçar no restaurante onde os pais trabalhavam. Lá chegando deparou com várias pessoas e tomou conhecimento que eram do Banco Itaú. Foi então que o superintendente a convidou para trabalhar no banco. Outro dia ela estava apta para aprender a profissão de bancária, e, pelo visto, gostou, pois permaneceu durante quinze anos como funcionária do Banco Itaú.

   Outra passagem gravada na memória de Carlinhos Raymundi, foi na reinauguração do Mini Praia agora do outro lado da baía, o pai Louristan Raymundi contratou um Conjunto Paraguaio que foi de quinta a domingo a principal atração do local durante várias semanas.

   Sucesso absoluto e muito requisitado por fazendeiros a exemplo de Lício de Aquino Nunes, José Palmiro da Silva, sempre em companhia do gerente do Banco do Brasil, sr. Neres, Murilo Curvo, Curvinho, Austregésilo Homem de Mello, eram figuras imprescindíveis no cotidiano do local.

   Sandra Fontes Medeiros Raymundi, a viúva de Luiz Antonio também guarda na memória passagens do tempo que ajudou o marido a tocar o restaurante. Ela revela que até mesmo tinha algumas vezes que se desdobrar na cozinha, principalmente quando os encarregados do setor já tinha ido embora, e, ainda tinha alguns freguês pedindo porções ou escaldado. Enquanto o filho Giuliano Raymundi, ainda pequeno, relembra da época das cheias, os répteis a procura de lugar seguro para se abrigar, como cobras nadando nas proximidades.

Frequentadores assíduos do Mini Praia: Austregésilo Homem de Melo e Curvinho


Jau peba capturado nas proximidades

   Entre os causos contados por aqueles que conheceram o famoso restaurante que marcou época em Cáceres, o cacerense Heitor Fonseca da Silva, 64, marceneiro, morador da antiga Rua da Manga, bem próxima da baia, lembra quando ele deveria ter 15/16 anos, da captura de um jau peba pelo chef Waldemar Araújo.

   Na barranca da margem oposta onde se localizava o Minipraia, costumeiramente as lavadeiras se reuniam em meio as cantorias próprias e exercitavam na profissão que lhes garantiam o sustento.

   Numa manhã elas foram surpreendidas com um enorme jau nadando bem próximo de onde elas estavam lavando a roupa. O local segundo Heitor Fonseca era bastante fundo. Imediatamente Waldemar, de posse de um arpão, desfere certeiro arremesso que atinge em cheio a nuca do jau. Totalmente inerte a enorme fera que habita as profundezas dos rios pantaneiros foi capturada.

   Ainda segundo Heitor, Waldemar e curiosos içam a espécie de couro amarelo (daí o apelido de peba), que deveria ter uns oitenta quilos. Abre a boca do mesmo e insere em seu interior um dos filhos criança que fica acomodado em pé numa situação bastante inusitada. Aí deu para aferir o tamanho da espécie…

Um dos Cartões Postais da empresa Pierre Marret de Cuiabá


Lúdio Martins Coelho patrocinou cervejada

   Em se falando de personalidades importantes que estiveram saboreando o tradicional e solicitado peixe local, Juvenal Pedroso, o Pelezinho, revela uma passagem interessante. Recorda que frequentemente ou quase que diariamente estava na companhia de amigos tomando uma gelada no ponto de encontro também da juventude. Ele, os irmãos Beto e Renato Fidélis além do cantor Rui Brant entre outros.

   Foi quando foram abordados por um senhor que pediu uma música Paraguaia…Rui executou não uma, mas várias. Satisfeito em ouvir as suas canções preferidas o senhor mandou que o Garção atendesse os jovens com duas caixas de cerveja.

   Virou festa! Posteriormente Pelezinho tomou conhecimento que aquele senhor era o abastado fazendeiro de Campo Grande, Lúdio Martins Coelho. Gerente do Condomínio LS, proprietário do extinto Banco Financial; mais tarde virou senador e prefeito de Campo Grande.

   Sucesso absoluto na Cáceres de outrora, o “Mini Praia” posteriormente teve no comando o irmão de “Lauristan”, Luiz Antonio Raymundi. Mais tarde com a separação de “Lauristan”, a ex-esposa Maria Candelária, a conhecida dona “Maria da Mini Praia” assumiu.

   Ela agora na condição de proprietária, se encarregou de comandar a preparação da peixada de confraternização dos primeiros festivais de pesca. Do Minipraia a comida era transportada para o Parque de Exposição onde era servida.

Nelsinho Dantas e Juvenal Pedroso se exibindo nas águas do Rio Paraguai em frente ao Cais. Era uma atração a parte nas proximidades do Restaurante Mini Praia. Aos domingos a juventude aproveitava o calor se esquiando


…Minipraia nas saudosas lembranças do jornalista Faquini

   O goiano de nascimento e cacerense de coração, jornalista Luizmar Faquini conheceu muito bem o principal point de Cáceres dos últimos quarenta anos. Assíduo frequentador do Mini Praia ele recorda das inúmeras vezes que esteve ali em companhia de João Evaristo curvo, o Curvinho, do professor Luttegards Saavedra Ramos (Lute), Celso, da Exatoria, Burro Preto, do Incra, e outros para tomar umas geladas com tira-gosto de lambari frito que tão bem a dona Maria sabia servir.

   Animadas partidas de bozó ajudavam passar o tempo num clima totalmente de amizade e respeito entre todos que frequentavam o badalado local.

   Segundo Faquini, foi no Restaurante Mini Praia que surgiram as primeiras conversas para a criação de curso superior em Cáceres. Numa daquelas intermináveis conversas que varam madrugada adentro, teria surgido as ideias iniciais que transformariam o cenário educacional em Cáceres com a implantação do IESC. Hoje a Universidade do Estado de MT, Unemat.

   O jornalista também recorda de um fato que presenciou numa das idas ao restaurante; diz que estavam quase chegando, quando de dentro do batelão, Curvinho avistou alguém saindo com a bicicleta do professor Luttegards que havia ficado do outro lado da margem. Imediatamente o “Lute” gritou em voz alta: “moço essa bicicleta é minha…companheiro é minha essa bicicleta”. Tranquilamente o sujeito respondeu: “você já disse que essa bicicleta é sua…” e saiu pedalando como se nada houvera acontecido. Sossegadamente Luttegards sentou foi tomar cerveja e degustar o solicitado lambari frito, da dona Maria.

   “Mini Praia se tornou num capítulo especial do lazer, amizade e entretenimento da vida do povo cacerense. Na época da cheia a água chegava quase encostar no assoalho; o vai e vem do batelão, as prosas, ponto de encontro de negócios, de profissionais liberais…”.

Foto: Akio Kishi

Depois de saborear uma deliciosa peixada no restaurante Mini Praia, o jornalista Luizmar Faquini (acenando para o fotógrafo), Pino (com um dos remos) e a galera de amigos, retornando para outro lado em terra firme 


Prejuízo e decepção…

Erivaldo Cruz

   Nem tudo ficou marcado pelo saudosismo e contentamento, pelo menos para o comerciante Erivaldo da Cruz e Silva, que entre 1995 e 2000 esteve na direção do empreendimento.

   Ele revela que acertou com a dona Maria e arrendou o restaurante numa época em que o mesmo vinha em acentuado declínio.

   Passou investir no espaço pois acreditava que poderia dar um novo impulso e ânimo ao local que anos antes era a coqueluche da cidade.

   Erivaldo, ex-sargento do EB, historiador, tentava resgatar um pouco da rica história cultural de Cáceres, segundo ele, totalmente esquecida naquela época. Através de uma agência de turismo em que era sócio, passou a reviver as tradicionais festas de santo, folclore e a culinária cacerense. Via no Restaurante Mini Praia um ponto excelente para captação de suas ações culturais.

   Investiu no local com divulgação – tem inúmeros recortes de jornais locais e de Cuiabá – estampando a nova proposta turística que ensaiava. Revela que recebeu equipes da Globo do Rio de Janeiro, e vários turistas que se encantavam com o fácil acesso ao local e o contato com a exuberante natureza, a fauna, flora, pássaros, etc se tornavam num grande atrativo.

   Se preparou e investiu na expectativa da realização do Festival de Pesca de 1996. Decorou o ambiente, colocou guarda sol, cadeiras de praia, abasteceu o freezer com filé de pintado, reforçou o estoque de bebidas, água de coco, preparou a sua equipe de trabalho naquela enorme expectativa.

   Inclusive, vendendo mesas antecipadas para familiares da Miss Mato Grosso do Sul, também para diretores da Cerveja Antarctica que estavam realizando pesquisa de mercado em MT; oficiais do EB, enfim…

   Tudo preparado, eis a sua maior e desagradável surpresa que até hoje o entristece: um dia antes da largada do Fipe toda área em redor da baía foi cercada com arame farpado e terminantemente proibida a passagem de pessoas além daquela delimitação.

   Na frente do restaurante também a tal cerca de arame que ele não sabe quem mandou colocar, contrastava com o espaço que totalmente acessível e remodelado esperava ansiosamente recepcionar o festivo público.  

   Decepcionado, desapontado, Erivaldo Cruz arcou com o prejuízo daquele festival, e, nunca mais quis saber de trabalhar com turismo. Só tempos depois ficou sabendo que por divergências políticas (não sabe de quem) aquele festival não poderia ser realizado em razão de exames laboratoriais apontaram que a água da baia estava contaminada.

Os personagens do Restaurante Mini Praia


Trinta anos de atividade até sofrer ação do MP

   Durante aproximadamente trinta anos foi uma das atrações principais em oferecer um delicioso peixe com esmero na preparação e sabor diferenciado.

   O referido restaurante caiu no gosto da população cacerense, de visitantes e turistas. Nasceu para perdurar longos anos na história da cidade. Basta ver a estrutura em madeira com troncos de aroeira na fixação da base e madeiramento em mogno nas demais estruturação.

   O local esteve bem próximo de ganhar nova configuração para melhor, seria nos moldes de palafita, o inovador projeto já estava sendo elaborado pelo genro de dona Maria, engenheiro Álvaro Ferreira, quando foi abortado bruscamente pelo Ministério Público. Na intimação foi dada algumas horas para que a mesma fosse cumprida, e, assim, toda a história do local fosse posta ao chão.

   Assim chegou ao fim o Restaurante Mini Praia. Marcou época na vida de Cáceres durante três décadas. Aqueles que conheceram e desfrutaram momentos inesquecíveis ali, hoje é só saudade daqueles tempos de pura magia. Os que não o conheceram, agora tomam conhecimento através das fotos.  

   Saudade também do chef Waldemar Araújo Costa, que acometido por problemas cardíacos partiu muito cedo, aos 44 anos, exatamente em 02/09/1972, casado com Olga Pinho Araújo Costa, também falecida; o casal teve onze filhos.

Louristan Carlos Raymundi

Lauristan Raymundi

   Gaúcho de Sananduva onde nasceu em 1934; filho de uma família abastada do interior do Rio Grande do Sul, chegou na região de Cáceres no ano de 1959, jovem ainda nos seus 25 anos de idade, onde adquiriu terras.

   Dessas mesmas terras onde estavam duas de suas imensas fazendas, surgiram posteriormente os municípios de Indiavaí e Glória Doeste.

   Nas fazendas “Lauristan” chegou a plantar cem mil pés de café. Trouxe para ajudar no plantio e colheita dos frutos famílias de trabalhadores paraguaios que foram especialmente contratadas.

   Retornou ao Sul em 1981 e veio a falecer em Porto Alegre em 24/04/1997.

   Casado com a cacerense Maria Candelária da Silva, (hoje reside em Cuiabá). O casal teve os filhos: Carlos Alberto, Roberto, Carmem Lúcia.

   Foi proprietário de um dos primeiros escritórios de Contabilidade de Cáceres, o Incoeste.

Aristides Paraguai e Dulcema…

   Por um lapso omitimos a passagem do casal Aristides Romeiro (Paraguai) e Dulcema, na direção do Mini Praia. Eles durante anos de (1987 ao início de 1989), com absoluto sucesso, estiveram no comando do empreendimento.

   Aristides revela que nos finais de semana chegava a preparar caipirinha com dez caixas de vodka que eram consumidas entre o sábado e domingo. Por semana, eram aproximadamente seiscentos quilos de peixes servidos nos cardápios.

   “Foi um tempo muito bom. Muita gente nos prestigiava, a casa era sempre lotada. Teve uma época que uns gringos parentes do Daveron (Solon) praticamente moravam no restaurante”, relembra numa gargalhada.

 Capa do livro "Minhas recordações de Cáceres", 1999, de Paulina Maciel Castrillon, hoje com 83 anos, esposa de Natalino Castrillon. Ela presta homenagem à Mini Praia com uma poesia
 ABAIXO, OUTRAS IMAGENS DA MINI PRAIA QUE CIRCULAM NAS REDES SOCIAIS

Os garotos Marcos e Adriano Araújo, filhos de Waldemar e Olga, no recinto do restaurante Mini Praia
 

Acervo de Wilson Fuá

Acervo de Carlinhos Raymundi

Imagem aérea de um dos últimos Festivais Festivais de Pesca com a existência do Restaurante Mini Praia. Final da década de 90
 
 
 

2 respostas

  1. Maravilhoso
    que saudade faz parte da minha
    historia.
    marcou muito a minha juvemtude.
    parabens pela materia fiquei muito
    emocionado
    obrigado.

    Erivaldo da cruz e silva

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